Smartcities, comunicação e design: alguns passos iniciais

O fenômeno das smartcities não é exatamente algo novo, embora ainda apresente espaço para desenvolvimentos e boas compreensões. Dizer que não é novo, contudo, não significa que seja algo completamente difundido e aplicado, especialmente no Brasil. Nossas cidades ainda possuem problemas diversas de ordem básica, e toda a inteligência aplicável a nosso contexto parece estar bastante longe ainda do minimamente aceitável.

Visualizando essa lacuna, decidi investir esforços numa investigação sobre as relações possíveis entre design, comunicação e smartcities. Sendo oriundo da área da Comunicação, tenho uma preocupação básica quanto àquilo que tange os aspectos comunicacionais que uma cidade inteligente pode apresentar – tanto em termos de informação quanto de sociabilidade. No entanto, ao estar situado num curso de design especificamente voltado às mídias digitais, é fácil perceber potencialidades e dificuldades de conceituação e projeto atreladas ao espaço público, à distribuição de serviços, à informação da população, dentre outros pontos.

De modo geral, esta pesquisa busca criar pontes teóricas e práticas que liguem os campos do design e da comunicação ao fenômeno das smartcities, propondo, desde um ponto de vista crítico e pragmático, caminhos possíveis para pesquisas e desenvolvimento de soluções digitais (serviços, produtos) ligadas às cidades inteligentes. Evidenciam-se, assim, outros objetivos mais específicos ligados a esse novo campo de estudo:

  • Descrever e criticar os discursos que dão forma ao fenômeno das smartcities
  • Identificar potencialidades de desenvolvimento em relação ao design
  • Identificar desafios, problemas e questões éticas quanto à produção e coleta de dados ligados ao espaço urbano
  • Encontrar possíveis “boas práticas” e diretrizes de desenvolvimento para projetos em smartcities

De algum modo, portanto, espero que esse blog sirva como um trabalho em progresso, contendo registros, pensamentos, dúvidas e anotações em geral.

Novas relações e dobraduras

Existe uma questão ampla sobre a relação do design com esse nova área de pesquisa, especialmente por conta do modo como se pensa o próprio objeto teórico do design. Em geral, quando falamos desse campo, estamos falando de objetos físicos (calçados, xícaras, canetas, carros), produtos gráficos (jornais, revistas, embalagens), interfaces (websites, telas sensíveis ao toque, aplicativos), games (o que resvala nas interfaces gráficas), branding e identidade visual e visualização de dados e arquitetura da informação. No fim das contas, o design, que nasce como uma área ligada à produção e reprodução de objetos físicos ganha novas perspectivas relacionadas à sociedade da informação, às mídias digitais, aos simbolismos erigidos dentro do capitalismo financeiro e à interação com interfaces gráficas. De certo modo, as preocupações e atenções que lidavam antes com a materialidade (como no Art Nouveau e no Arts and Crafts, precursores da consolidação do design) passam a lidar, depois, com algum aspecto de imaterialidade: a interface, que não tem peso (Byung-chul Han) mas é crucial, o branding, que é intangível mas valoroso, a experiência com objetos e serviços, que não se toca mas se percebe.

Não é de se espantar, portanto, que novas formas de atuação para o design precisem ser pensadas para o novo século, atuações estas menos pautadas na materialidade e mais no espraiamento da experiência, da marca, da interação e da informação. Se pudermos atualizar a ideia de Jenkins quanto à convergência e à conectividade (spreadable media), faz sentido considerar que o próprio objeto do design precisa ser pensado em mais de uma dimensão de uso, apropriação e significação, e não apenas uma consolidação de uma ideia ou de uma prática. Me parece claro que o objeto do design para o novo século não seja apenas uma chaleira, mas uma chaleira que possa (mas não necessariamente precisa) ter embutida funcionalidades baseadas na produção e troca de dados digitais.

Nesse contexto, os objetos perdem seus significados e condições epistemológicas usuais e passam por um processo de ressignificação. O que é, por exemplo, uma assistente virtual? Uma interface, um serviço, uma caixa com autofalantes e microfone? Dizer que é um software não é suficiente, pois o público que a utiliza não compreende como tal: ela vai além de comandos e chega a ser propositiva, proativa quanto às demandas e situações rotineiras. Dizer que a Alexa é um software equivaleria a dizer que a chaleira acima citada é um conjunto de ligas metálicas deformadas e depois resfriadas.

E o que são as smartcities?

No contexto dos estudos em smartcities – e nos discursos em geral sobre o assunto – a cidade inteligente é tratada como dotada de infraestruturas baseadas em tecnologias da informação, as quais estariam baseadas na captura de dados, trocas informacionais rápidas, em tempo real, numa senciência sobre a cidade e suas ocorrências. Existe uma perspectiva de monitoramento, controle e ações em decorrência dos dados obtidos, seja no tocante ao trânsito (um acidente que ocorreu em tal via, uma zona com maior congestionamento além do previsto), à segurança (atentados, assaltos), distribuição de água ou energia e demais assuntos concernentes à gestão urbana. As palavras que dão a tônica da cidade inteligente são aquelas da ordem da eficácia, da rapidez, da segurança, o que põe em primeiro plano a perspectiva racionalista de onde vêm os pontos de fuga da smartcity. O que, por outro lado, nos leva a um outro lado da moeda: há como falar de smartcities que não sejam a priori eficientes e funcionais?

Numa visão aérea, assim, existem algumas questões que norteiam esse estudo. São elas:

  • O que é uma smartcity? Como uma cidade pode ser considerada inteligente? O que define a inteligência de uma cidade?
  • O que o termo descreve? O que ele traduz ou busca produzir como sentido? Como pesquisadores se apropriam dele e com a finalidade de quais significações? Como ele é utilizado em campanhas, anúncios à imprensa e entrevistas de jornais? O que ele busca abarcar enquanto práticas e ideias?
  • O que o fenômeno nos diz sobre o tempo atual, nossa sociedade, tecnologias e culturas?
  • Como a smartcity pode se inscrever como objeto de estudo concernente à Comunicação e ao Design?

Quando se fala de smartcities, de algum modo o termo atualiza aquilo que em outros tempos buscou-se chamar de cidade eletrônica, cibercidade, e-topia… As expressões não significam a mesma coisa mas falam de uma dimensão informatizada do espaço urbano, de uma inteligência baseada em tecnologias digitais e uso intenso de computação. Longe de abordar um aspecto futurista, todas essas perspectivas lidam com tecnologias e práticas já correntes há pelo menos duas décadas.

Além das perguntas acima detalhadas, há outras a serem consideradas:

  • Quais questões técnicas e operacionais ligadas às smartcities?
  • Há modos não-geográficos de representação espacial quando atuamos dentro do escopo das smartcities? (Esquemas, metáforas, organogramas)
  • Que problemas de privacidade, proteção de dados e sociabilidade as smartcities ensejam?
  • As smartcities podem produzir segregação no uso e no acesso ao espaço público?
  • Que questões podemos pensar quando aliamos palavras como corpo, espaço e interface?

Por fim, há de se frisar que, junto às smarticities, outros termos são postos em evidência como eixos de sustentação: big data (tratamento de grandes volumes de dados), computação ubíqua e pervasiva (aplicação de capacidades computacionais em contextos de apagamento/miniaturização de computadores) e Internet das coisas (IoT – capacidade de objetos técnicos estarem em rede trocando informações) são alguns dos termos que chegam para balizar e fundamentar a existência de cidades inteligentes.